Free flow: especialistas alertam para risco de flexibilizar o novo pedágio eletrônico

O pedágio eletrônico sem cancela, conhecido como free flow, é uma das principais apostas para modernizar as concessões rodoviárias brasileiras. Ele promete maior fluidez no trânsito e justiça tarifária, pois permite que o usuário pague proporcionalmente à distância percorrida dentro da rodovia, em vez de tarifas fixas das praças de pedágio tradicionais.

No entanto, especialistas alertam que a implantação do sistema enfrenta desafios que podem comprometer sua efetividade e credibilidade junto aos usuários.

A regulamentação e o cronograma


O início do free flow em rodovias federais aconteceu em 2023 com a implantação do sistema na Rodovia Rio Santos (BR-101), mas avançou mesmo veio com a Resolução Contran nº 1.013/2024, que atualizou parâmetros técnicos e operacionais e ampliou de 15 para 30 dias o prazo para pagamento antes da incidência de multa por evasão.

Segundo Ane Elisa Perez, especialista em infraestrutura e sócia do Ane E. Perez Advogados, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) incluiu o tema em sua agenda regulatória desde 2022 e trabalha para que todos os sistemas de cobrança estejam homologados até dezembro de 2025, conforme a Portaria da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) nº 442/2025. Caso contrário, ficará suspensa a possibilidade de autuação.

Entre os estados, o Rio Grande do Sul tem liderado a implantação experimental do modelo no Bloco 3 de concessões rodoviárias, operando em ambiente experimental criado por órgãos reguladores, onde empresas podem testar inovações em serviços, o chamado “sandbox regulatório”.

Já São Paulo incluiu a obrigatoriedade do free flow em novos contratos, como os do Rodoanel Norte e Litoral Paulista, além de abrir consultas públicas para ampliar opções de pagamento, inclusive sem a necessidade de TAGs, o que pode facilitar a adesão do usuário.

As primeiras operações paulistas começaram em setembro de 2024, com a operação em Itápolis na rodovia Laurentino Mascari. O pórtico entrou em funcionamento com uma tarifa básica de R$ 8,90.

O alerta dos especialistas


Fernando Vernalha, advogado especialista em infraestrutura, alerta para o risco de perda de credibilidade do sistema caso prevaleçam propostas de isenção ou postergação de multas por não pagamento da tarifa. “Flexibilizar a cobrança de multas poderá descredibilizar o sistema. A experiência internacional mostra que modelos bem-sucedidos, como o chileno, adotaram maior rigor, enquanto em casos de flexibilização excessiva, como na África do Sul, fracassaram”, afirma.

Para Vernalha, o sucesso do free flow depende de mecanismos claros que incentivem o pagamento da tarifa, já que não há barreira física para interromper a passagem do veículo. “Não há justificativa técnica ou jurídica para postergar a cobrança. Adiar compromete a credibilidade do sistema e pode gerar insegurança jurídica e desequilíbrio contratual para as concessionárias”, ressalta.

Ane Elisa Perez destaca que, além de regulamentar critérios técnicos e garantir meios de pagamento acessíveis, é preciso estabelecer metodologias transparentes para o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos, pois a mudança no modelo tarifário impacta diretamente o fluxo de caixa das concessionárias.

“A transição para o modelo de livre passagem não deve ser tratada apenas como uma inovação operacional, mas como um novo pacto contratual e institucional, que demanda alinhamento entre todos os atores do setor”, avalia.

Locação


Já para o setor de locadoras de veículos, o free flow ainda gera insegurança. Paulo Miguel Junior, vice-presidente da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis, afirma que o modelo não foi pensado para o frotista: “A locadora entrega o carro ao cliente sem saber por onde ele vai trafegar. Muitos locatários não conhecem o sistema e, ao passar pelos pórticos sem pagar, as locadoras acabam descobrindo apenas quando recebem a multa, gerando transtornos”.

Segundo ele, a unificação das informações de passagem pela Senatran ainda não foi efetivada, e o setor aguarda regulamentação que atenda suas particularidades. “Temos grande dúvida sobre o free flow: se vai trazer modicidade tarifária ou se será apenas mais uma forma de arrecadação por multas. Precisamos de mais clareza para todos os usuários”, defende.

Como comunicar o usuário?


Um ponto comum entre especialistas e operadores é a necessidade de campanhas efetivas de comunicação e sinalização para informar motoristas sobre o funcionamento do free flow. Segundo eles, sem conscientização, há risco de inadimplência por desconhecimento, o que pode gerar aumento de multas e questionamentos judiciais.

O debate deve permanecer em evidência nos próximos meses, com a entrada em vigor de regulamentações complementares do Conselho Nacional de Trânsito (Conatran) e novos contratos de concessão prevendo o modelo.

O sucesso do free flow no Brasil dependerá do equilíbrio entre planejamento regulatório, disciplina contratual, rigor na cobrança e ampla informação ao usuário. Tais fatores são essenciais para que a inovação traga a prometida justiça tarifária e não se torne mais um motivo de frustração para quem usa as rodovias, dizem os especialistas de forma unânime.

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